: Diz-se de criança irrequieta e traquina, que não está quieta um só momento.

Saturday, December 24, 2011

meu sorriso nasceu pra ser usado


2011 vem chegando à beira do precipício. Perto do fim, bem perto de me deixar em paz.
Foi um ano perverso. Que me tirou do centro, me tirou o riso da cara. Se fosse uma nuvem, seria daquelas que precedem um temporal devastador.
Na inevitável retrospectiva pessoal, encontro dificuldades em achar momentos felizes nesse ano.
Sofri _e um fio de sofrimento ainda se agarra, persistente, às minhas pernas, mas chacoalho, escorraço ele daqui_, o que era previsto para 2 ou 3 anos. Como nessa época de verão, quando chove num dia o previsto pro mês todo. O resultado, quase sempre, é catastrófico.
Nunca me senti assim, essa folha que caiu da árvore e se vê arrastada por uma correnteza perigosa e imprevisível.
Nunca montei num ano tão xucro como 2011. Sem cabresto que dê conta.
Por isso essa angústia de manhã de 24 de dezembro é também libertadora. Ela traz no ar o aviso: tá no fim.
Construíram uma parede de 2 metros e barraram qualquer inocência desavisada. Os guardas prenderam minha risada, minha alegria, meus prazeres.
Mas 2012 caminha na minha direção trazendo na cesta que carrega nas mãos doses generosas de tudo que foi usurpado nesse ano birrento.
E não tem quem possa tirar os primeiros sinais desse sorriso tímido, esperançoso, que se desenha no meu rosto. Ele vai bater o pé e partir pra briga se quiserem arrancá-lo daqui.
Meu sorriso nasceu pra ser usado.

Sunday, July 17, 2011

tristes objetos


Motor potente, lataria tinindo, estofamento macio, de 0 a 100 num piscar de olhos, acessórios originais. E tá ali, juntando pó na garagem.
Como um vinho antigo que tranca na garrafa aromas e sensações especiais, de tantos anos. Mas fica lá, enfeitando a adega, sem nunca ser provado.
Ou um livro raro, que esconde em suas páginas palavras transformadoras e pouco é aberto; o medo é que as folhas se soltem. Lá segue ele, herói sem uso na prateleira.
Como o vestido mais lindo pra ser usado na festa mais linda, que dorme triste esperando no armário. Talvez a festa não chegue nunca.
Ou algumas coleções: charutos, relógios, jóias. Prazeres encaixotados, filas de sentimentos apagados, alegrias adiadas. Objetos sem uso.
E então não seria preferível ser um Fusca, dirigido com gosto, pra ouvir o motor débil, barulhento?
Ou ser tomada num trago só; bebida forte, que anima.
Ser um livro de banca de jornais, ensinamentos sem regra de uso. E num vestido de chita, rodar bonito, numa noite qualquer, destravando a agonia grudada no peito.
Ser qualquer coisa. A bola colorida que quebra o azul do domingo, a taça dupla de sorvete, a cachaça barata. Ser tudo que seja usado com prazer, que seja sempre requisitado. A bota velha, o pirex marrom, o relógio puído.
Tudo, menos a peça rara de cristal que há anos não faz outra coisa senão enfeitar a sala triste com seu brilho cansado e passivo. Assistindo a toda tragédia de camarote.

*ilustra por André Catoto

Thursday, April 28, 2011

sem verniz

Vendo surgir, a cada dia, a tinta mais antiga, marcas que estavam camufladas com mãos e mãos de equívocos e que talvez fosse mais fácil deixar assim mesmo. Mas as certezas são vacilantes. Na corda bamba dos desejos eu sempre fui profissional. Também tenho larga experiência em me despistar, achar que dá pra cortar caminhos que, necessariamente, tem de ser percorridos com calma. Mas ultimamente as evidências dos meus enganos tem vindo me dar bom dia com uma frequência assustadora. Eu, que sempre fui de acelerar, passar a 100 pelas curvas, tenho cada vez mais vontade de diminuir, evitar acidentes. Eu, que sempre tive certeza do curso a ser percorrido, hoje paro na bifurcação. Eu, que sempre, hoje procuro o de vez em quando. E a tinta vai saindo, o que vejo aparecer é a base. Manchada, machucada, um tanto esfolada, mas real. Uma Fabiana mais real. Com dúvidas, falhas, problemas. E uma vontade enorme de que a coisa dê certo. Sem verniz pra enganar. Me enganar.

*ilustra por Arthur D'Araújo

Tuesday, January 04, 2011

a peleja entre Mulher Maravilha e Bukowski


 Contas pagas pontualmente, mercado sempre feito, Pilates duas vezes por semana; análise, uma. Diarista a cada quinzena. Depilação e unhas em dia. Dermatologista bem de manhã. Tubos resolvidos no trabalho. Cacos familiares. E segue o checklist. Tudo isso como quem diz bom dia, tudo isso como se eu estivesse num comercial do Molico. Mulher Maravilha.
 Ler por horas a fio, não ter o silêncio interpretado como problema, não beber 4 litros de água por dia, deixar a conta correr livre, trabalhar menos (e não me sentir culpada por isso), ter meu namorado do lado para fazer o mercado (e carregar as sacolas depois), descobrir músicas velhas, morar numa casa com quintal, gastar horas preparando um jantar num dia qualquer. Tudo isso como quem diz bom dia, tudo isso como se eu estivesse no filme Julie & Julia. Bukowski.
 Vidas diferentes, mesma pessoa.
 Anteontem, voltando de Lisboa, chorei com força, insistentemente, como o filho que se joga entre os pais, pra afirmar algo. Sem saber porquê, tinha chorado três vezes nesse que era meu último dia em Portugal. Desde então, venho tentando decifrar esse vômito emocional, esse sinal interno.
 Hoje, no carro, duas palavras se cruzaram, do nada, na minha cabecinha que produz um bocado: Mulher Maravilha e Bukowski.
 Com a ajuda de meu amigo Freud, percebi que o quê está em jogo é abrir mão: seja da mulher prática e bem resolvida (termo que detesto, mas que ajuda a explicar), seja da avoada e hedonista.
 Por que quando a Mulher Maravilha, exausta, tem uma semana de ócio, bons vinhos, namorado a mão, ruelas desconhecidas, cabeça vazia, ela se derrete. Invade, então, a porção Bukowski.
 Quando o lado Bukowski vê que a vida vai voltar com toda sua dureza, burocracia, vê que a fatura do cartão vence logo mais e que o vinho não será nem barato, nem tão bom, ele bate o pé, esperneia.
 No meio dessa peleja toda ainda tem espaço pra muitas outras Fabianinhas (como diz Pedro Juan Gutiérrez), tão difíceis de domar quanto a Mulher Maravilha e Bukowski.
 Mas somente essa percepção_não de qual personalidade é melhor, mas sim de que preciso conviver em harmonia com as duas_, já me deu um baita alívio.
 Somos muitos, somos vários. E isso não é bom nem ruim. Isso é a vida que, assim como num filme do Woody Allen, é boa, engraçada, dura e cruel ao mesmo tempo. É a velha história do "tudo não terás". Infelizmente.

Friday, June 25, 2010

blindness

O relógio do painel do carro marca onze horas e alguns poucos minutos.
No rádio, uma balada clássica, ouvida como se fosse a primeira vez.
A cabeça tão vazia quanto a estrada.
Um resto de neblina, vagarosa, deixa tudo com uma luz incrivelmente bonita.
Preguiçoso, um avião sobe, forçando o pescoço a esticar e acompanhar essa cena eternamente nostálgica.
É uma manhã de sexta-feira diferente, que chega sem acelerar o dia.
Mas o caminho está no fim. Em pouco tempo a vida vai ressurgir barulhenta, apressada, egoísta, alardeando o fim do jogo.

*ilustra por Arthur D'Araújo

Thursday, June 17, 2010

especialmente fora de contexto


estar de pijama de flanela xadrez / regar as plantas do meu jardim / ver o café surgir, calmamente, na cafeteira/ colocar delicadamente Ruth Brown na vitrola 9e ouvir o chiado da agulha)/ dançar uns passinhos na sala/ passar a tarde lendo Virginia Woolf em algum café esquecido de Palermo/ ver a noite chegar com uma bela taça de vinho/ terminar a noite dançando uns passinhos de Ruth Brown na sala de casa, com meu pijama de flanela xadrez que não existe e a tranquilidade que há de chegar./

Tem dias em que acordo especialmente fora de contexto.

*ilustra por Pedro Lucena

Wednesday, June 09, 2010

"eu sou inocente"



- Dona Fabiana, a senhora tem que fazer alguma coisa por mim.
- Quem tá falando ?
- É o Alexandre, o moço que "pegou no peito" da Renata Banhara.
- Ah, oi Alexandre (explicando: gravamos um programa com a Renata Banhara sobre plásticas, no Mercadão de SP e o Alexandre é um vendedor que "apalpou" a "prótese" da Renata).
- A senhora (o tom muda pra desesperado) precisa me ajudar.
- Em que sentido ?
- É que apareceu na TV "eu pegando no peito da Renata Banhara" e minha mulher tá querendo se separar. Ela não entende que foi brincadeira, minha vida "tá um forfé".
- Entendo, mas você quis participar da gravação.
- Mas eu não "tinei" na hora......
- ...
- E então, Dona Fabiana, escreve uma carta pra minha mulher, escreve ?
- Carta ?
- É, eu dô o endereço. A senhora precisa dizer pra ela que eu sou inocente.
- ...

*Das coisas surreais que acontecem na redação.